Avaliada num Minuto, Ignorada em Dor: O Relato de Uma Trabalhadora Desgastada pelo Sistema

49 anos, residente em Alhos Vedros. Está de baixa médica há quase um ano. E quase todos os meses, é chamada à junta médica. O seu corpo — operado há cinco meses ao túnel cárpico, com diagnóstico de tendinites, coxalgia bilateral, artrose no cotovelo, vertigens crónicas causadas por problemas cervicais — pede repouso e tratamento. Mas o sistema responde com desconfiança e desumanidade.

Num dos episódios mais revoltantes, conta que entrou na junta com um relatório detalhado de uma ciática incapacitante. Mal se sentou, foi mandada embora. Um minuto. Um minuto de “avaliação” para decidir o destino de uma mulher doente. “Mandaram-me trabalhar. Nem olharam para os relatórios. Nem me ouviram. Nada.”

Noutra ocasião, foi gozada. Escarnecida por estar ali. Descredibilizada como se o corpo em sofrimento fosse um capricho, uma encenação, um obstáculo ao bom funcionamento da máquina burocrática. “Nem olham para nós. Tive uma junta que até gozou comigo.”alhos vedros

Apesar das patologias documentadas, deram-lhe alta. Mas ela não desistiu. Recorreu. E explicou porquê: “Não aguento ir para o meu posto de trabalho nas condições em que me encontro. Eu não quero deixar de trabalhar. Quero tratar-me. Quero continuar o meu percurso profissional.”

A sua exigência é simples: um sistema que veja. Que leia os relatórios. Que escute. Que investigue a fundo, sem pressas nem preconceitos. Que forme os médicos que integram estas juntas, não só tecnicamente, mas também humanamente. “Pelo menos formação em educação. Já era um começo.”

Perguntam-lhe se o sistema ajudou. A resposta, irónica na sua crueza, resume tudo: “Qual sistema?”

Este testemunho, como tantos outros, revela uma disfunção profunda no modo como as juntas médicas operam em Portugal. Não se trata apenas de insuficiência técnica — trata-se de negligência ética. Um sistema que não ouve nem vê é cúmplice da dor que perpetua.

A proposta de transformar as juntas em auditorias de saúde, com profissionais competentes e capacitados para uma avaliação digna, ganha aqui mais uma razão para avançar. Porque ninguém devia sair de uma junta médica a sentir-se pior do que entrou.


Este artigo integra a série “Vozes de Injustiça”, resultante dos testemunhos recolhidos pela Petição Pública por um Sistema de Avaliação Médica mais Justo e Humano. Se quiser partilhar a sua história ou apoiar esta iniciativa, visite www.etiologia.pt.

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